Aos 56 anos, Maria Angélica adotou Joey, então com 8, e teve vida transformada. ‘Minha mãe é mais do que eu poderia imaginar e tudo que eu preciso’
‘São os laços de afeto que determinam que somos mãe e filha’. Foto: Arquivo pessoal
“Se não podemos gestar, vamos adotar”, pensava Maria Angélica Amarante dos Anjos, 66, ela se casou com Wilson dos Anjos aos 47 anos e a idade foi um dos fatores que levou à decisão de adotar. A preferência era por uma criança com mais de 7 anos. A reportagem é da jornalista Jacqueline Maria da Silva, Agência Mural
“A gente não tinha aquela energia toda, então queríamos que nossos filhos já viessem andando, falando, que a gente pudesse ir ao teatro, ao cinema, ao museu, conversar, ler juntos”, justifica.
O casal sempre tinha ouvido que a adoção era um processo demorado. Logo descobriu que não no seu caso, já que o perfil de criança com mais idade não é a principal opção dos pretendentes.
A maioria deles opta por bebês de até três anos. Por isso, a conta entre crianças no aguardo da adoção e famílias interessadas não fecha: são 35 mil pessoas na fila de espera e 4,9 mil crianças e adolescentes aguardando uma família, segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA).
Quando o perfil é mais flexível, o processo é mais rápido. Maria Angélica, por exemplo, aguardou poucos meses até que, em outubro de 2014, uma ligação parou o tempo para ela. Do outro lado da linha, um representante da Vara da Infância apresentou uma criança de oito anos.
“Desde esse momento eu já senti essa conexão especial. Senti assim uma onda de criatividade, de alegria”
Maria Angélica
A família se conheceu e começou a passar tempo juntos. Em um deles a surpresa: “Eu gostaria muito que vocês me adotassem”, pediu Joey Amarante dos Anjos.
“Eu sou uma pessoa muito emotiva, eu comecei a chorar no meio do restaurante. Depois ela me contou que ficou pensando: ‘será que eu falei algo de errado’?”. Em dezembro do mesmo ano, quando Angélica tinha 56 anos, Joey finalmente passou a viver com o casal.
“Sempre sonhei em ser adotada e poder ter uma melhor amiga como mãe. Ter tido a sorte de ter uma mãe tão fenomenal como a Angélica é a realização desse sonho. Te amo mãe! Você é muito mais do que eu poderia imaginar, e ainda assim, é tudo que eu preciso”, declara com carinho Joey, hoje com 19 anos, estudante do ensino médio e futura atriz.
Adoção que transforma
Angélica é a personificação da mãe coruja, e não deixa de rasgar elogios para a filha. A conexão especial foi reforçada com a acolhida de Angélica às questões de identidade da filha.
“Eu e minha mãe sempre tivemos uma ótima relação e ela ficou ainda melhor e mais íntima após a minha transição de gênero. Essa nossa relação de mãe e filha é rara para nós mulheres trans, ao mesmo tempo que é tão essencial para o nosso desenvolvimento pessoal. Fico muito feliz de poder ser quem sou e ter o apoio de quem mais importa pra mim”, expressa Joey.
Mas nem a convicção pela adoção, evitou que a família enfrentasse a chamada adotofobia. O termo é usado para designar o preconceito contra pessoas adotadas e adotantes, na tentativa de deslegitimar a maternidade por esta via. Muitas vezes elas vêm em frases como: “não é a mesma coisa”, “quando vocês vão ter os filhos de vocês?”, “vai vir com traumas”.
“A sociedade valoriza o filho biológico porque tem o mesmo sangue. Família, a gente não mede pelo sangue, são os laços de afeto que legitimam as pessoas dizerem que são pai, mãe, filho, filha ou filhe”.
Maria Angélica
Todas as vivências desta aventura que é a adoção culminaram em transformação tão intensa para Angélica que ela acabou escrevendo dois livros sobre o assunto: “Fui adotada aos 56 anos” e “Histórias na varanda”, publicados com apoio de editais públicos.
No ano passado, criou o Grupo de Apoio à Adoção Anjos da Guarda, com facebook e instagram oficiais, ligado ao Grupo de Apoio e Acolhimento de São Paulo. Nele, pessoas interessadas e pretendentes à adoção se reúnem uma vez por mês em um espaço cedido pela Câmara Municipal de São Bernardo para falar sobre o assunto.
“Os grupos de apoio à adoção são muito importantes. E as mulheres periféricas têm outras questões que precisam ser acolhidas, como a bandeira anti-racista e anti LGBTfobia”.